Amadeu Baptista,
(Portugal, 1953)





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Biographie


Amadeu Baptista est né à Porto (Portugal) en 1953. Il a publié plus de trente recueils depuis As Passagens Secretas - Passages secrets en 1982.

Quelques uns de ses recueils ont été distingués par plusieurs prix de poésie, aussi bien nationaux qu’internationaux. Parmi ceux-ci, Paixão - Passion (2003); O Bosque Cintilante - La forêt lumineuse (2007); Poemas de Caravaggio - Poèmes de Caravaggio (2007). En 2008, Açougue - Boucherie (2008) a reçu le Prix Espiral Maior (Galice/Espagne) et Os Selos da Lituânia - Les timbres de Lituanie (2008) le Prix de la Ville de Funchal.

En 2007, une anthologie de sa poésie a été éditée: Antecedentes Criminais - Des antécédents criminels (Anthologie personnelle, 1982-2007). Amadeu Baptista a par ailleurs publié 4 livres pour enfants. Le dernier, un recueil en vers, O Poeta e O Burro - Le poète et l'âne (2010), renvoie à Platero e Eu de Juan Rámon Jimenez.

Derniers titres parus en 2010: O Ano da Morte de José Saramago - L'année de la mort de José Saramago (poésie) et Estrela de Bizâncio - Étoile de Byzance (prose poétique).

Amadeu Baptista a coordonné quatre anthologies: Poésie et proses brésiliennes contemporaines, 2001; Poésie et Photographie, 2001; Poésie digitale - 7 poètes des années 80, 2003; Poésie/Musique, 2010.


Poème



Os Selos da Lituânia

1.

escrever pode ser, naturalmente, ter três anos,
estar na praia num dia muito quente
e sentir que alguém nos apanha pela cintura
e mergulha nas ondas violentas
de um mar revolto, vendo num relance
a multidão em volta, toucas amarelas,
biquínis coloridos e o homem da bolacha
americana, de boné enfeitado com uma âncora,
a percorrer o areal em toda a extensão
que vai do paredão à casa do banheiro.
vir num soluço à tona de água e voltar
a submergir com um grito preso na garganta
para ver do mar o fundo, aquelas algas
ameaçadoras num bailado aquoso
que as lágrimas ainda mais adensam.
se não for isso, pode ser, exactamente,
ter um profundo conhecimento da palavra
garrotilho, ter estado de cama com sarampo
e a janela para a rua resguardada
por um pano vermelho que vai do chão ao tecto,
sentindo muita sede, sem poder
sequer molhar os lábios. ou, então, ouvir
a tarde toda os gemidos de alguém
a quem diagnosticaram esclerose múltipla, a regredir
na idade e a ir morrendo aos poucos
de drageias brancas. escrever pode ser, exactamente,
ter um medo mortal de ir à escola, e sofrer
os efeitos maiores da crueldade
que os mestres manifestam nas crianças,
as páginas à deriva entre a baba e o ranho,
as pernas aflitas por todo aquele pânico,
doridos nós dos dedos e o coração
aos saltos. não sendo isso,
escrever pode ser, provavelmente,
um ajuste de contas com o passado,
ou até mesmo a lembrança dessa noite
em que o vento varreu o nosso quarto
e destelhou as casas circundantes, vitimando
o garboso pundonor do gato que cruzou
a estrada e foi atropelado por um balde
amolgado. não sendo isso, pode ser o cavalo
inquieto que no prado, certa vez, se vislumbrou, ou animais
degolados, com as vísceras entrançadas
num novelo no alpendre, perto da roupa
pendurada na corda de secar. ou a noite,
imensa e perdurável, em que alguém
bateu à nossa porta e não entrou,
e nós com a lanterna tentámos ver
sob a chuva que vergasta ainda
as sebes que há em volta do cercado,
o cata-vento em forma de avião, os cardos
do baldio. se não for isso, será, precisamente,
aprisionar o rosto a um lugar
para não ceder, ir com o corpo adiante procurar
o ritmo das paixões, as mais vorazes,
as que podem produzir assassinatos, estontear
as cabeças, irromper de um céu de sombras
verdadeiras, mesmo que não haja céu,
mesmo que não haja sombras
e nas letras resplandeça
pouca coisa.

2.

não tive pai nem mãe, no sentido
bíblico do termo. creio bem
ter nascido de uma pedra, em volta
havia o perfil da magnólia
e era extenso o azul do firmamento,
ao derredor da cabeça, tocada e doce. o mundo,
o mundo a que cheguei, não era mais
que uma pedreira, de onde os homens
partiam em silêncio para os campos
em que a solidão recrudescia, a solidão
inúmera dos campos onde os bois
partilhavam o destino com as fontes
e viam, muito ao longe, as ânforas
e a lâmpada, a corça e o veado,
as torres das cidades sitiadas.
a estrela que me coube
era pobre e distante. num momento
não pude mais fazer que recolher
sombra das sombras com as mãos,
à procura de um rumor que incitasse
ao êxtase e à aventura, procedendo
como se não fosse mais que um desconhecido
a perguntar ao vento e à geada
pelo significado oculto que entrevia
no rosto dos meus contemporâneos.
não tive pai nem mãe, sobre a ternura
só aprendi o que havia
de recolher de um vaso, muitas vezes
apenas sangue, muitas vezes
o descorado clamor dos céus,
quando a chuva molhava os meus cabelos
como se fossem peixes fora de água.
não tive pai nem mãe, o que recuso
é dessa direcção que sempre vem
e aqui se demora para que a magnólia
transfigure os seus frutos em furacões.

3.

estão doze imagens iluminadas
por fraca lamparina de azeite
e há uma cómoda negra no canto do quarto.
na primeira gaveta, uma mancha
vermelha para guardar
e, no gavetão de baixo, uma cama
para dormir. o pequeno cobertor
cheira a lavado e em volta do meu sono
uma luz protege-me,
embora não consiga adormecer
e oiça passos ao longe, e o som surdo de vozes
a bater nos meus pulsos
como se tivesse que os cortar
pelo mundo ser injusto
e além de um oratório este lugar
ser exactamente o sítio onde durmo.
se pudesse ir à rua neste instante
procurava entre as mulheres a minha mãe
e pedia-lhe que me levasse para onde
fosse possível chorar e a memória fosse
uma passagem para a vigília surpreendente
que há nas coisas inesperadas.
mãe, mãe, cometeste o pecado de não me veres
dormir, a minha alma hesita, sou apenas
esta tábua que ao longe range
e atravessa o quarto onde nenhum lençol me abriga
e os santos e os anjos pontificam
para que perdure o alarme e os olhos ceguem
nesta lâmpada incólume, esta ameaça
que continua a pairar sobre esta cama
e faz com que te chame em cada noite
e tu não estejas,
e tu não venhas livrar-me
da roda do martírio, enquanto
reclamo a carícia perdida,
a criança que fui,
do primeiro vagido ao derradeiro.



Timbres de Lituanie

1.

écrire peut être, naturellement, avoir trois ans,
se trouver sur la plage un jour de grande chaleur
et sentir quelqu’un nous prendre par la taille
et nous plonger dans les vagues violentes
d’une mer déchaînée, en jetant un regard
sur la foule autour, les bonnets jaunes,
les bikinis colorés et le vendeur
de cookies, avec sa casquette ornée d’une ancre,
qui arpente la plage de long en large
depuis la roche jusqu’aux cabines de douches.
remonter dans la houle à la surface et de nouveau
plonger en étouffant un cri dans sa gorge
pour voir le fond marin, ces algues
menaçantes dans leur ballet aqueux
que les larmes rendent encore plus dense.
sinon, ce peut être, précisément,
avoir une connaissance profonde du mot
laryngite, rester cloué au lit par une rougeole
derrière une fenêtre sur rue à l’abri
d’un tissu rouge du sol au plafond,
avoir soif et ne même pas pouvoir
tremper ses lèvres. ou bien passer l’après-midi
entier à entendre quelqu’un, à qui on a diagnostiqué
une sclérose multiple, gémir, retomber
en enfance et peu à peu mourir de tant
de dragées blanches. écrire peut être, précisément,
aller à l’école avec la peur au ventre, et souffrir
les terribles conséquences de la cruauté
des maîtres envers les enfants,
les pages de copie à la dérive entre bave et morve,
les jambes qui flageolent sous tant de panique,
les doigts endoloris et le cœur
battant. Ou encore,
écrire peut être, probablement,
régler ses comptes avec son passé,
le souvenir de cette nuit
où le vent fouetta notre chambre, fit voler
les tuiles des maisons environnantes, tuant
l’élégante dignité du chat qui traversa
la route et fut renversé par un saut
bosselé. sinon, ce peut être le cheval inquiet
parfois aperçu dans la prairie, ou des animaux
égorgés, aux viscères entrelacés
en écheveau sous l’appentis, près du linge
séchant sur l’étendoir. ou la nuit,
immense et perdurable, où quelqu’un
frappa à notre porte sans entrer,
quand à la lueur d’une lanterne nous tentions de distinguer
sous la pluie encore battante
les claies qui entouraient l’enclos,
les girouettes en forme d’avion, les chardons
du terrain vague. à moins que ce ne soit, précisément,
emprisonner son visage quelque part
pour ne pas céder, partir torse bombé en quête
du rythme des passions, les plus voraces,
celles capables de pousser au meurtre, de tourner
les têtes, éclat d’un ciel d’ombres
vraies, même s’il n’y a pas de ciel,
même s’il n’y a pas d’ombres
et que dans les lettres ne resplendisse
que peu de chose.

2.

je n’ai eu ni père ni mère, au sens
biblique du terme. je crois bien
être né d’une roche, à l’entour
se dessinait un magnolia
et le bleu du firmament s’étendait
autour de ma tête, grisée et douce. le monde,
le monde auquel je suis venu, n’était plus
qu’une carrière, d’où les hommes
partaient en silence pour les champs
où la solitude grandissait, l’incommensurable
solitude des champs où les bœufs
partageaient leur destin avec les sources
et voyaient, dans le lointain, les amphores
et la lampe, la biche et le cerf,
les tours des villes assiégées.
l’étoile qui m’est échue
était pauvre et distante. un moment
je n’ai pu mieux faire que recueillir
l’ombre des ombres dans les mains,
en quête d’une rumeur qui incitât
à l’extase et à l’aventure, faisant
comme si je n’étais qu’un inconnu,
demandant au vent et au givre
le sens caché que j’entrevoyais
sur le visage de mes contemporains.
je n’ai eu ni père ni mère, sur la tendresse
j’ai seulement appris ce qu’il y avait
à recueillir dans un vase, bien souvent
seulement du sang, bien souvent
la terne clameur des cieux,
quand la pluie mouillait mes cheveux
comme s’ils étaient des poissons sortis de l’eau.
je n’ai eu ni père ni mère, ce que je refuse
procède de cette direction qui toujours vient
s’attarder ici pour que le magnolia
transfigure ses fruits dans les ouragans.

3.

ils y a douze images éclairées
par la lueur d’une lampe à huile
et une commode noire dans un coin de la chambre.
dans le premier tiroir, une tache
rouge à garder
et, dans le grand tiroir d’en bas, un lit
pour dormir. la petite couverture
sent le linge frais et autour de mon sommeil
une lumière me protège,
bien que je ne réussisse pas à m’endormir
et que j’entende au loin des pas, et le son sourd de voix
qui battent dans mes veines
comme si je devais les couper
car le monde est injuste
et, outre un oratoire, ce lieu
est précisément l’endroit où je dors.
si à cet instant je pouvais sortir dans la rue
je chercherais parmi les femmes ma mère
et lui demanderais de m’emmener où
pleurer serait possible et la mémoire
un passage vers l’insolite veille
qui hante les choses inattendues.
maman, maman, tu as commis le péché de ne pas me voir
dormir, mon âme hésite, je ne suis que
cette planche qui grince au loin
et traverse la chambre où nul drap ne me couvre,
où les saints et les anges pontifient
pour que l’alarme dure et où les yeux s’aveuglent
sous cette lampe intacte, cette menace
qui plane toujours au-dessus de ce lit
et me fait t’appeler chaque nuit
mais toi tu n’es pas là,
tu ne viens pas me délivrer
de la roue du martyre, tandis
que je réclame la caresse perdue,
l’enfant que je fus,
du premier à l’ultime vagissement.


Traduit du portugais par François-Michel Durazzo

(Prix Edmundo Bettencourt – Ville du Funchal, 2008)